Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios no Brasil
nov, 21 2025
A Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma emenda que retira o direito de voto de presos provisórios — pessoas ainda sem condenação definitiva, mas detidas enquanto aguardam julgamento. A mudança, incluída no Projeto de Lei nº 5582/2025, conhecido como PL Antifacção, foi aprovada por 349 votos a favor, 40 contrários e uma abstenção. O texto altera dois artigos do Código Eleitoral e determina o cancelamento automático do título de eleitor de qualquer pessoa em prisão provisória. A medida, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), gerou um dos debates mais polarizados dos últimos anos no Congresso — e não por causa da divisão partidária tradicional. Surpreendentemente, deputados de esquerda como Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Benedita da Silva (PT-RJ) votaram a favor, enquanto a oposição mais progressista, como Luiza Erundina (PSOL-SP), se opôs. O que está em jogo? Não é só um detalhe técnico do voto. É a definição de quem é considerado cidadão pleno no Brasil.
Um contrassenso ou uma medida necessária?
Van Hattem, líder do Partido Novo no Congresso, foi claro: "O voto pressupõe liberdade e autonomia de vontade. E quem está preso, mesmo que provisoriamente, já está fora da sociedade." Ele comparou o direito de votar de presos provisórios a "uma regalia", algo que "chega a ser ridículo". A lógica por trás da proposta é simples: se a pessoa não pode sair de casa, não pode escolher quem governa o país. Mas aqui é onde a coisa se complica. A Constituição Federal de 1988 permite que presos provisórios votem — e isso não é um acidente. É um princípio: a presunção de inocência. Até que se prove culpa, a pessoa é considerada inocente. E, por isso, mantém todos os direitos civis — inclusive o político.
Van Hattem insiste que a medida "não antecipa punição". Mas juristas apontam: se você cancela o título de eleitor apenas por estar preso, mesmo sem condenação, você está punindo antes do julgamento. É como negar o direito de dirigir a alguém que foi preso por suspeita de embriaguez, mas ainda não foi julgado. A diferença? Aqui, o que está em jogo é a própria essência da democracia: o voto como direito, não como privilégio.
Por que a base governista apoia?
Isso é o que mais surpreendeu os analistas. O Partido dos Trabalhadores, histórico defensor dos direitos humanos e das populações marginalizadas, teve ao menos três deputados votando a favor da proibição. Por quê? A resposta está nos custos e nos riscos operacionais. O deputado Guilherme Derrite (PP-SP), relator do PL Antifacção e atual secretário de Segurança Pública de São Paulo, explicou que instalar seções eleitorais em presídios custa milhões por eleição e exige centenas de policiais, veículos blindados e logística complexa. "É um risco enorme. Um preso pode ser resgatado durante o transporte. Ou ser usado como moeda de troca em negociações de facções", disse Derrite em plenário.
Essa lógica de custo e segurança parece ter pesado mais do que a teoria jurídica. E não foi só a direita. O PSOL e a Rede, tradicionalmente mais sensíveis a direitos civis, orientaram seus membros a votarem contra. Mas mesmo entre os aliados do governo, havia uma percepção: "Se o preso provisório não pode sair da cela, por que ele pode escolher o prefeito?" Essa pergunta, simples, ecoou em bastidores — e influenciou votos.
Um projeto maior: o PL Antifacção
A emenda sobre o voto é só uma parte do PL Antifacção, um pacote de medidas duras contra organizações criminosas. O projeto prevê penas de até 66 anos para líderes de quadrilhas, proíbe anistias e indultos para crimes organizados, cria novos tipos penais como "novo cangaço" e "domínio territorial", e obriga líderes a cumprirem pena em presídios federais de segurança máxima. Também determina que bens apreendidos sejam destinados ao fundo de segurança pública — algo que pode gerar recursos bilionários para estados.
Essa abordagem "tudo ou nada" — punição extrema, mas também investimento em segurança — é o que torna o projeto tão atraente para muitos parlamentares. A emenda sobre o voto, por mais polêmica que seja, passou como um "acréscimo" em um pacote que já tinha apoio forte. Foi como colocar um adesivo em um carro de luxo: ninguém reparou no adesivo, mas o carro já estava vendido.
O que vem a seguir: Senado, veto e STF
Agora, o texto segue para o Senado Federal, onde será relatado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE). Ele já sinalizou que analisará com cuidado os aspectos constitucionais. Mas o maior desafio pode vir depois: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele tem o poder de vetar trechos do projeto. E juristas já avisam: se o veto não ocorrer, o STF provavelmente será chamado a decidir.
Em 2023, o Supremo já decidiu, por 7 a 4, que presos provisórios têm direito ao voto. A maioria entendeu que a Constituição não permite suspender direitos sem condenação. Se a Câmara e o Senado aprovarem a emenda, o STF terá que decidir se a lei federal pode mudar o que a Constituição permite. É um conflito direto entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário — e o país pode ficar sem eleições em presídios por anos, ou com um precedente perigoso: o de que direitos fundamentais podem ser retirados por maioria no Congresso.
Por que isso importa para todos nós
Essa não é só uma questão de presos. É sobre quem tem voz na democracia. Se você é pobre, mora em uma favela, foi preso por suspeita — mesmo que inocente — e perde o direito de votar, você é tratado como cidadão de segunda classe. E isso não é apenas injusto. É perigoso. Porque quando se exclui um grupo da vida política, ele se sente ainda mais distante do Estado. E isso alimenta o ciclo de violência.
Além disso, há dados que ninguém quer falar: segundo o TSE, em 2022, cerca de 120 mil presos provisórios estavam aptos a votar. Mas apenas 17% deles fizeram isso. Por quê? Porque a logística era tão complexa que muitos não conseguiram chegar às urnas. Então, o que essa emenda realmente muda? Talvez, apenas o símbolo. Mas em política, símbolos viram leis. E leis viram realidade.
Frequently Asked Questions
Por que presos provisórios podiam votar antes?
A Constituição de 1988 garante o direito ao voto a todos os cidadãos maiores de 16 anos, exceto analfabetos e condenados com sentença transitada em julgado. Presos provisórios, por não terem sido julgados, mantêm todos os direitos civis — incluindo o político. Isso é parte do princípio da presunção de inocência, que protege o indivíduo até que se prove sua culpa.
A emenda viola a Constituição?
Juristas afirmam que sim. A Constituição não permite suspender direitos políticos sem condenação final. Se o Congresso aprovar a emenda, o Supremo Tribunal Federal provavelmente será obrigado a derrubá-la, como fez em 2023, quando reafirmou que presos provisórios têm direito ao voto. O risco é de um conflito entre Poderes.
Quantos presos provisórios votaram nas últimas eleições?
Em 2022, cerca de 120 mil presos provisórios tinham título eleitoral ativo, mas apenas 20 mil — menos de 17% — votaram. A logística era tão difícil que muitos não conseguiram acessar as seções instaladas dentro dos presídios. O que a emenda muda é o direito, não a prática — que já era quase inexistente.
Por que parlamentares do PT votaram a favor?
Muitos deles citaram os altos custos e riscos operacionais de garantir o voto em presídios. Além disso, há uma percepção crescente de que o sistema prisional está saturado e que o voto desses presos não altera resultados eleitorais. Para alguns, a medida é pragmática — mesmo que ideologicamente conflitante.
O que acontece se o presidente Lula vetar a emenda?
Se Lula vetar, o Congresso pode tentar derrubar o veto com maioria absoluta (308 votos na Câmara e 41 no Senado). Mas isso é difícil. Mesmo que o veto seja derrubado, o STF ainda pode julgar a emenda inconstitucional. O veto não resolve o problema jurídico — apenas adia a batalha.
Essa medida afeta as eleições de 2026?
Não, ainda não. O projeto precisa ser aprovado pelo Senado, sancionado e publicado antes de entrar em vigor. O calendário eleitoral de 2026 já está em andamento, e a emenda provavelmente só valerá para as eleições de 2028. Mas o debate já está em pleno andamento — e pode influenciar decisões judiciais e políticas antes disso.